
Me identifiquei ou recebi um diagnóstico: e agora?
Diagnósticos psiquiátricos são estabelecidos usando como principal referência um manual chamado Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), criado pela Associação Psicológica Americana (APA), que se encontra na 5ª edição. Outra referência é a Classificação Internacional de Doenças, que usa a terminologia CID, e também abarca os chamados transtornos psiquiátricos.

Eles são estruturados a partir de uma série de indicadores que buscam definir o grau de impacto que características específicas causam na vida de um indivíduo. Essas características são principalmente comportamentais, mas a grande maioria dos transtornos também envolve algum tipo de desarranjo hormonal ou cerebral que também influenciam o quadro. O objetivo é fornecer uma referência ou forma comum de se referir ao mesmo quadro de sintomas de uma pessoa e tentar unificar o tratamento de acordo com o que é mais eficiente ou apropriado.
No entanto, é preciso ter cautela ao pensar sobre o que um diagnóstico significa sobre uma pessoa. A acessibilidade de informações a respeito de saúde mental tem ajudado a identificar contextos em que alguma forma de tratamento é necessária, ao mesmo tempo que transformou algumas palavras em esteriótipos. Dizer que está ''deprimido'' pode ser um jeito de indicar um estado passageiro de humor, mas identificar um quadro depressivo exige mais do que checar alguns itens de uma lista de sintomas.
Falar do assunto sem a devida importância tem feito, literalmente, testes do estilo BuzzFeed aparecerem pela internet dando respostas para qual transtorno psiquiátrico é indicado pelas respostas. Por mais cômico que possa ser, isso deixa mais difícil falar sobre o que um diagnóstico de fato é: nem um teste de personalidade e nem uma sentença de morte, mas uma maneira de se referir, em termos gerais, a faltas ou excessos no seu funcionamento geral.
Pode ser muito difícil receber um rótulo como ''TDAH'' ou um Transtorno de Personalidade. Talvez ele seja dado adequadamente por um profissional, mas ser uma surpresa. Um colega de trabalho pode usar a palavra ''narcisista'' para indicar coisas que alguém faz e não são agradáveis. A verdade é que é difícil ser colocado em uma caixinha e se manter confiante e com uma ideia clara de quem você é. Ouvir alguém se referir a você como ''TDAH'' pode trazer à mente o esteriótipo (não conseguir prestar atenção, ser inquieto), mas deixar de fora outros aspectos muito importantes de uma pessoa que exibe constantemente características que fazem parte do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, e que podem não ser tão conhecidas. Por exemplo, o diagnóstico para esse mesmo quadro difere muito entre homens e mulheres dadas as variáveis culturais e como elas influenciam a apresentação dos sintomas.

Esse exemplo ainda é relativamente neutro de julgamentos, e tratado mais como uma características curiosa a respeito de alguém pela maior parte das pessoas. Se nós pensarmos no espectro autista, ou no termo ''Borderline'', o cenário muda drasticamente. O estigma envolvendo essas palavras ainda é real, e gera consequências negativas para a vida diária de pessoas que estão no processo de diagnóstico ou adaptação a ele. Vale a pena lembrar que o próprio uso da palavra ''transtorno'' é extremamente subjetivo: o critério atual é mais humanizado, mas orientações sexuais que não fossem a heterossexualidade estavam incluídas nesse mesmo manual até 1973.
Diagnósticos são feitos a partir de entrevistas, coletas de dados e testes, que podem ser neurológicos, psicológicos, neuropsicológicos ou comportamentais. O mais famoso deles é o palográfico (o famoso teste dos pauzinhos), usado no processo de avaliação para obter a carteira de motorista. Ele não avalia uma pessoa em toda a sua complexidade, claro, mas oferece medidas de impulsividade, espaçamento, coordenação motora, etc. Os testes funcionam como uma ''fotografia'' do estado geral de uma pessoa no momento em que a faz, e avaliam funções específicas. Um processo de avaliação idealmente envolve mais de uma ferramenta e deve coletar dados o suficiente para afirmar que os sintomas ou problemas que a pesssoa enfrenta não são ''coincidência'' daquele dia ou causados unicamente por um evento momentâneo.
O neuropsicólogo é o único profissional autorizado a utilizar testes neuropsicológicos, que englobam os inventários de personalidade, medidas de atenção, diferentes funções cognitivas, etc. Os documentos produzidos a partir das informações coletadas podem ser usados para produzir atestados, declarações, entre outros, mas contribuem principalmente para aferir com precisão algumas medidas que são importantes para um processo de diagnóstico, e que podem complementar o trabalho de terapeutas, psiquiatras, educadores...

Estar na busca ou receber um diagnóstico pode ser um desafio por si só, além de manejar as dificuldades que levaram a ele num primeiro momento. Nessa direção, a psicoterapia pode ajudar proporcionando maior compreensão durante cada etapa do processo, não deixando o principal objetivo sair de vista: maior qualidade de vida. Independentemente do resultado (e possíveis diagnósticos) cada pessoa terá uma forma diferente de lidar com questões que podem estar muito bem descritas por um quadro de sintomas, ou não ser bem definidas por eles. O terapeuta consegue identificar tanto gatilhos e fatores de influência quanto partes do seu repertório que podem ser usados a favor de superar as adversidades enfrentadas. Caso esse texto tenha levantado perguntas, oferecido outra perspectiva para situações da sua vida, ou te instigado para abordar esse processo dessa maneira, este pode ser um momento propício para iniciar a terapia!




